Em Jornada de Lutas, mulheres do MAB prestam homenagem à Flávia Amboss e promovem lançamento do seu livro
Livro de Flávia Amboss trata da negligência de mineradoras, que devastaram a Bacia do Rio Doce e revitimizaram atingidos por falta de reparação do território
Publicado 05/06/2025 - Atualizado 06/06/2025

No terceiro dia da Jornada Nacional de Luta das Mulheres Atingidas, realizada em Brasília (DF), entre 02 e 05 de junho, as mulheres reunidas prestaram uma homenagem às lutadoras populares, atingidas do Movimento que foram mortas no contexto da sua atuação e resistência política. Nicinha (Nilce de Souza), Dilma Ferreira, Beta Cárceres, Débora Moraes e Flávia Amboss são algumas das militantes que foram vítimas da violência machista, patriarcal ou de Estado no país.
Na ocasião, foi lançado o livro Imprensados no Tempo da Crise: A Gestão das Afetações no Desastre da Samarco (VALE e BHP BILLITON), de autoria de Flávia Amboss Leonardo, que foi vítima de um atentando em uma escola de Aracruz (ES), em 2022. A publicação foi apresentada durante a mesa “Patriarcado e violência: os desafios da luta das mulheres no atual contexto histórico e o legado das lutadoras atingidas”.
Mestra em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Flávia foi atingida pelo rompimento da barragem da Samarco, na Bacia do Rio Doce (MG), em 2015, quando morava na Vila de Regência Augusta (ES). A partir desse momento, ela se envolveu na construção de iniciativas de mobilização e amparo à população atingida e na pesquisa social sobre os efeitos do crime na vida da população.

O livro é fruto da sua tese de doutoramento no Departamento de Antropologia da Universidade de Minas Gerais (UFMG). No universo acadêmico, ela ajudou a construir grupos de pesquisa como o Grupo de Estudos em Populações Pesqueiras e Desenvolvimento no Espírito Santo (Geppedes), que segue coordenado pela professora Aline Trigueiro na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e o Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (GESTA), conduzido pela professora Andrea Azhouri, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A sua dupla experiência – de atingida e pesquisadora – intensificada com a sua atuação no MAB, transformou sua tese de doutorado em um documento de rico valor histórico, onde ela analisou como se desenvolveram, desde o primeiro momento, os “arranjos institucionais” entre as empresas criminosas, entes federativos e autarquias públicas que, ainda hoje, consideram pouco os anseios, as angústias e vontades da população atingida.

“A preocupação dela sempre foi na área da justiça ambiental e social para as pessoas do seu entorno. E é preciso dizer que a história do Espírito Santo está marcada por inúmeras injustiças e violências contra os povos tradicionais, que se perpetua. Daí veio sua fomação e engajamento político”, afirma a mãe de Flávia, Grayce Amboss Merçon Leonardo.
“A relação íntima construída com seus interlocutores – atingidos das comunidades de Regência, município de Linhares (ES), que foram sujeitos da suas pesquisas – ajuda a pôr tintas em um desenho institucional que se revelou burocrático, insensível e, em boa parte do tempo, anti-povo”, afirma a coordenação do MAB no Espírito Santo.
Ainda segundo o MAB, lançar o livro de Flávia neste ano de 2025 é muito importante à luz do novo acordo de Repactuação do Rio Doce. “As vozes atingidas que emergem do seu texto – suas angústias, frustrações, anseios e expectativas são, além de um registro histórico daquele período de espera, suspensão e implosão dos modos de vida ali desenvolvidos, um bom roteiro para analisar o que a reparação privada, nas mãos da Fundação Renova, entregou e deixou de entregar. Mais do que isso, amplia a responsabilidade dos envolvidos no novo acordo do Rio Doce, assinado em outubro de 2024”, afirma João Paulo Izoton, ex-companheiro de Flávia e militante do MAB.
Ele destaca que, boa parte das angústias descritas no livro seguem latentes, considerando que o retorno aos modos de vida ancorados em uma relação íntima das comunidades com o Rio Doce e seus recursos ambientais, segue impossível.
“Em suma, a publicação denuncia a ganância e arrogância da grande mineração no Brasil, que sequestra instituições públicas, dobrando-as a seu favor. E que só se mantém competitiva no mercado internacional de commodities, porque desconsidera os territórios, comunidades e famílias que afeta sem nenhum tipo de responsabilidade ou compensação”, avalia.

Atentando nazista
“Por fim, o lançamento do livro de Flávia neste ano de 2025, também pretende ser uma denúncia contundente do crime bárbaro que a vitimou, junto com outras duas professoras – Maria da Penha de Melo Banhos, Cybelle os Bezerra Lara – e uma estudante, Selena Sagrillo Zucolloto, no município de Aracruz”, explica Alexania Rossato, também integrante da coordenação do MAB.
“Em um atentado de inspiração Nazista, um menor de idade dirigiu até a escola e, de posse de duas armas, perpetuou esse massacre, que é mais uma página sombria dos capítulos que vivemos nos últimos anos no Brasil, de recrudescimento da extrema direita, avanço do fascismo e da violência política contra as mulheres, as escolas e ao conhecimento científico”, lembra Izoton.
Ele afirma que esse episódio suscita um debate espinhoso sobre o papel das forças de segurança na disseminação e construção dos ideais fascistas e nazistas no nosso país. O pai do menor que realizou o massacre é um Oficial da Polícia Militar do Espírito Santo, que também compartilhava conteúdo nazista nas redes sociais como as matérias da época atestam.
Com o lançamento do livro da companheira Flávia, queremos lançar luz sobre essas duas grandes injustiças às quais estão expostas não só as famílias atingidas, mas todas as famílias brasileiras: a ganância do capital, que atropela territórios, famílias e projetos de vida em busca do lucro; e a violência política de gênero, anticientífica, armada e fardada, que caracteriza – junto com a intrínseca covardia – o fascismo à brasileira que vemos ascender desde, pelo menos, meados de 2016.
“Que a coragem que Flávia manifestou em vida, ao fazer a opção pelo conhecimento crítico e independente, a aposta na educação como vetor de mudança e a constituição de uma carreira acadêmica aliada aos “excluídos” dos processos políticos, inspirem cada vez mais brasileiras a construir suas trajetórias profissionais e de vida em defesa do povo”, finaliza Alexania.
