Mulheres do MAB encerram Jornada de Lutas em Brasília (DF) com ato contra o PL da Devastação e Grito por Gaza
No Dia do Meio Ambiente, cerca de mil mulheres marcharam na Esplanada do Distrito Federal para denunciar os efeitos devastadores de grandes empreendimentos na vida de comunidades tradicionais e periferias do país e lutar contra o PL que flexibiliza o licenciamento ambiental
Publicado 05/06/2025 - Atualizado 05/06/2025

A Jornada de Lutas das Mulheres do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) chegou ao fim hoje, 05 de junho, Dia do Meio Ambiente, com dois grandes atos políticos na capital federal. Os protestos ecoaram as vozes de comunidades de todo o país, denunciando a ameaça à legislação ambiental brasileira e clamando contra o genocídio na Palestina. A jornada em Brasília teve como pauta central a defesa dos direitos dos atingidos e a resistência às violações de direitos causadas por grandes empreendimentos, como barragens e mineradoras e demonstrou a força da união e da mobilização popular. Ao todo, a mobilização contou com a participação de atingidas de 20 estados diferentes.
Durante os atos, as participantes detalharam uma série de violações de direitos diretamente ligadas a crimes e desastres ambientais, além das profundas consequências da atuação de grandes empreendimentos em territórios de diferentes regiões do país. Relatos incluíram os problemas enfrentados ainda hoje pelos atingidos por rompimentos por barragens em Minas Gerais, as ameaças de deslizamentos de terras devido às mudanças climáticas, a contaminação de rios na Amazônia pela mineração, a iminente exploração de lítio no Vale do Jequitinhonha (MG), a falta de reparação para os atingidos pelas cheias do Rio Grande do Sul, os impactos das usinas eólicas no Nordeste e o crescente risco da exploração de petróleo na Amazônia.
Luta contra o desmonte da legislação ambiental do país

O primeiro grande foco da mobilização foi o repúdio ao Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental, conhecido como “PL da Devastação” (PL 2159/2021), que busca desregulamentar a proteção ambiental no Brasil. Esse projeto permitiria a utilização de áreas protegidas para atividades econômicas de grande impacto, flexibilizando exigências cruciais como os Estudos de Impacto Ambiental (EIA). Para Elisa Mergulhão, integrante da coordenação do MAB, a provável aprovação desse PL representa um “retrocesso histórico imenso”.
“Não se trata apenas de um revés para o meio ambiente, mas também para a própria segurança das populações atingidas por grandes projetos, que colocam em risco seu modo de vida e sua segurança alimentar”, enfatizou.
Mergulhão reforça que o licenciamento ambiental é um instrumento fundamental para garantir os direitos dessas populações, permitindo que o governo atue para frear a devastação de florestas, a perda de biodiversidade, o aumento das emissões de gases de efeito estufa e a intensificação do desequilíbrio ambiental em biomas vitais como a Amazônia e o Cerrado. Ela alertou para as severas consequências caso o projeto seja sancionado, permitindo que obras de grande potencial poluidor, como barragens, em por um “autolicenciamento” ou tenham sua suspensão dificultada, mesmo diante de graves consequências. “Obras como a barragem de Mariana, cujo rompimento foi o maior crime socioambiental da história recente do Brasil, poderiam ar por um autolicenciamento”, exemplificou Elisa.
Devastação ambiental e mudanças climáticas




O advogado Djeison Diedrich, também participante do MAB, complementou a denúncia, afirmando que “quando permitimos que empresas e empreendimentos se autolicenciem, estamos fragilizando as medidas mínimas de proteção ambiental. Isso, em última análise, compromete o controle das emissões de carbono, intensificando os efeitos das mudanças climáticas, que podem ser cada vez mais devastadores como aconteceu no Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul, onde vivo”, explicou.
A luta contra a devastação ambiental foi ilustrada pelos relatos, como o de Maria Oliveira, de Candeias do Jamari (RO), profundamente impactada pela seca no Rio Madeira no ano ado. “Foi realmente muito difícil. Nós costumamos produzir alimentos para a criação de cestas de verduras e frutas para comercialização, mas a terra seca não deixou”, desabafou Maria.
Ela contou que os poços secaram e a água que tinha não era suficiente nem para o consumo, muito menos para a produção agrícola, e a plantação morreu debaixo da terra. “A situação melhorou um pouco quando o MAB perfurou um poço para atender três famílias, mas ainda assim não dava para todo mundo”, acrescentou.
Ela conta que o sentimento diante da situação era de desolação. “É muito triste, porque o Rio Madeira lá é um rio muito grande, né? E a cidade é na beira do rio, né? E você vê as ilhas no meio do rio, então um rio imenso como era, a gente vê que a água vai se afastando, né? Você vai vendo terra no meio do rio, então é muito triste para a gente que mora lá, né? A gente ar por isso… Por isso que a gente vem para Brasília para denunciar esse tipo de situação e pedir ajuda”, relata.
Ato contra o genocídio em Gaza teve participação das crianças do MAB





Além das pautas ambientais, o segundo ato político do dia foi um potente grito contra o genocídio em Gaza, ressaltando a conexão entre as lutas por justiça social e ambiental. O ato contou com a participação de Ahmed Alassad, vice-chefe da Missão Diplomática da Embaixada do Estado da Palestina no Brasil.
Daiane Höhn, uma das integrantes da coordenação do MAB, expressou a profunda solidariedade das mulheres atingidas. “Nós, mulheres atingidas, nos unimos neste ato para clamar contra o genocídio que assola o povo palestino. Estamos aqui em profunda solidariedade, erguendo nossa voz contra a barbárie sionista e os bombardeios que devastam vidas inocentes”, declarou Daiane.
Em um momento de forte emoção, Daiane Höhn destacou a presença das crianças no protesto, simbolizando o futuro roubado pelo conflito. “Nossas mãos se entrelaçam simbolicamente com as do povo palestino, de suas mulheres e, crucialmente, de suas crianças. A presença infantil neste protesto é um grito de alerta: o genocídio na Palestina não apenas tira vidas, mas assassina o próprio futuro. Eles ceifam a vida de crianças e mulheres para sufocar a resistência”, afirmou. A líder concluiu com um apelo global.
“É imperativo que a sociedade brasileira, as organizações populares, os movimentos sociais e sindicais, e toda a classe trabalhadora assumam uma postura inabalável diante do que se desenrola na Palestina, em Gaza e por toda a terra palestina. Precisamos demarcar claramente nosso lugar na história, e, neste momento decisivo, estamos inequivocamente ao lado da Palestina, contra o sionismo”.

Mil mulheres em uma Jornada grandiosa
Nos cinco dias que estiveram em Brasília, as atingidas que participaram da mobilização construíram um encontro memorável. Entre mesas de debate e atos de protestos e reivindicações, a convivência com companheiras de diferentes culturas, idades e experiências de vida possibilitou às participantes fortalecerem sua identidade como atingidas e sentirem a força do MAB plantada em todos os chãos do Brasil.
Durante a Jornada, elas reafirmaram seus direitos e protagonizaram a luta em favor de todos os atingidos. Para Ivanei Dalla Costa, integrante da coordenação do MAB, um dos pontos mais importantes foi o fortalecimento do debate e a construção de pautas comuns para reivindicar com o Estado brasileiro, pressionando para que o governo atenda às demandas, não somente dos atingidos, mas de toda a classe trabalhadora. “Precisamos, cada vez mais, organizar as mulheres atingidas para fazer a luta a fim de reparar e garantir os seus direitos. Mas que também essa luta sirva para construir unidade e conquistas para todos os trabalhadores e as trabalhadoras”, afirma Ivanei.
Ela retoma a importância de, durante a jornada, as mulheres terem saído em marcha pela redução dos juros, no Banco Central; contra o PL da Devastação, no Ministério do Meio Ambiente; e contra o genocídio na Palestina, na Embaixada. Ivanei ressalta ainda a importância do debate sobre o patriarcado e a violência contra as mulheres, trazendo presente o legado das lutadoras que deram a vida no processo da luta pelos direitos dos atingidos. “Nós, mulheres, precisamos nos fortalecer para enfrentar a estrutura desse sistema que nos oprime e violenta. Temos que construir saídas, nos ajudar e o Estado tem que fazer políticas públicas para isso. Mas, acima de tudo, nossa luta precisa ser para transformar a sociedade. Só assim as mulheres serão livres!”, alerta Ivanei.
“Nossa jornada foi importante, exitosa, mas também saímos daqui com muitos desafios, porque a luta, nesse contexto histórico, precisa ser fortalecida. É através dela que a gente muda a vida e transforma a realidade”, concluiu.
Carta final: só a luta garante conquistas





Construída durante o encontro, a Carta Final da Jornada reafirma que são as mulheres as principais vítimas do processo de construção e dos crimes de rompimento de barragens. São também elas que mais têm sofrido diante dos eventos extremos causados pela crise climática. O documento pontua ainda que as atingidas, a cada dia, perdem direitos, são ameaçadas e sofrem diversas violências diante da ascensão do fascismo.
A Carta denuncia a crise climática causada pelo modelo de acumulação capitalista, o atual modelo energético, o patriarcado e a violência contra as mulheres, o PL da Devastação, a taxa de juros abusiva praticada pelo Banco Central e o genocídio do povo Palestino por Israel.
No documento, as mulheres atingidas também reivindicam a regulamentação e implementação da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) e a criação de um fundo e de um órgão de Estado em favor dos atingidos. As mulheres do MAB ainda pedem pela redução do índice da taxa de juros e pelo veto do PL da Devastação.
Por fim, se comprometem em seguir organizadas e protagonistas da luta por direitos, democracia e pela construção de um projeto energético popular; reforçam a articulação com as mulheres da Plataforma Operária e Camponesa da Água e Energia e outros movimentos populares; e reafirmam a solidariedade ao povo palestino, cubano, venezuelano e todos os que lutam por emancipação.

“Seguimos em luta para derrotar o imperialismo e o patriarcado e forjar um mundo mais justo, onde os ciclos da natureza sejam respeitados e os trabalhadores e trabalhadoras estejam no poder”, finaliza o documento.
