Atingidos da Chapada Diamantina conquistam direito à Assessoria Técnica Independente na Bahia
Em cumprimento histórico da PNAB, após oito anos de negociações e conflitos decorrentes da construção da Barragem Baraúnas/Vazante, é assinado Termo de Compromisso Socioambiental para implantação da ATI nos territórios atingidos
Publicado 27/05/2025 - Atualizado 27/05/2025

Na sexta-feira (16), foi realizada em Salvador (BA) uma audiência pública para discutir o Termo de Compromisso Socioambiental (TCSA), que assegura a implementação de instrumentos da Política Nacional das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) nas comunidades impactadas pela construção da Barragem Baraúnas/Vazante, na Chapada Diamantina (BA).
Hoje (27), com a oficial do TCSA, os atingidos comemoram um o importante na luta por direitos e por respostas concretas da Companhia de Engenharia Hídrica e de Saneamento da Bahia (CERB) – responsável pela obra – e do Estado da Bahia, que há anos vem negligenciando os apelos das famílias.
A audiência contou com a presença de representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), do Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA), da Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento (SIHS) e da assessoria jurídica da CERB.
Entre os instrumentos conquistados estão as Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) e o Plano Ambiental de Conservação e Uso do Entorno de Reservatório Artificial (PACUERA), ambos voltados à garantia dos direitos das comunidades atingidas e à proteção do meio ambiente frente a grandes empreendimentos.
“Esse processo demandou várias reuniões e discussões, que culminaram na data de hoje com um aceite tanto da CERB quanto da Secretaria de Infraestrutura Hídrica, que se comprometeram a realizar todo o processo de contratação da Assessoria Técnica Independente, além da alocação dos recursos necessários para isso”, explica o promotor Alan Cedraz, do MPBA.
As ATIs são fundamentais para que as comunidades participem de maneira informada e qualificada dos processos de diagnóstico, negociação e fiscalização, promovendo autonomia e capacidade de mobilização. Esta será a primeira vez que a PNAB (Lei 14.755) será implementada de forma concreta, ao definir diretrizes para a reparação integral, incluindo a obrigatoriedade da atuação das ATIs.
Para o MAB, a efetivação da lei transcende o mero cumprimento legal, trata-se de uma conquista histórica. “A desse acordo reflete anos de luta da população atingida da Chapada Diamantina. Teremos também a primeira implementação da PNAB por meio da ATI, o que garantirá o direito à informação e paridade de armas para os atingidos e atingidas”, afirma Iandria Ferreira, atingida pelo empreendimento e membro da Coordenação Nacional do MAB.
O histórico do conflito
A construção da Barragem Baraúnas/Vazante, localizada na Chapada Diamantina (BA), foi aprovada em março de 2017 pelo então governador Rui Costa (PT), que posteriormente veio a fazer parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Sua execução ficou a cargo da Companhia de Engenharia Hídrica e de Saneamento da Bahia (CERB), empresa vinculada à Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento (SIHS) do estado da Bahia.
Com capacidade para armazenar cerca de 20,86 milhões de metros cúbicos de água, o reservatório foi projetado com o objetivo de atender a diferentes demandas: abastecimento humano, dessedentação animal, agricultura irrigada e a regularização da vazão do Rio Cochó. No entanto, desde seu anúncio, o empreendimento gerou uma série de conflitos nos territórios atingidos, afetando não apenas a comunidade quilombola de Vazante, mas também cerca de 200 atingidos nas comunidades ribeirinhas de Caititu, Marcelos e Baraúnas, nos municípios de Boninal e Seabra.

Em 2018, a CERB moveu uma ação judicial de desapropriação de duas áreas destinadas à construção de casas, nas quais os atingidos seriam remanejados de forma precária. As famílias denunciaram que a ação foi realizada sem consulta prévia e que representava uma tentativa de descaracterizar o conflito. Além disso, houve a tentativa de individualização das negociações, o que levou o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) a denunciar a conduta da empresa e apontar uma série de direitos humanos violados, como o direito à informação, à participação, à plena reparação das perdas, à moradia adequada, entre outros.
Após intensa pressão das famílias organizadas no Movimento, foi constituída uma mesa de diálogo, com a realização de diversas rodadas de negociação e solicitações para o cancelamento da ação judicial. O que levou a CERB a desistir da iniciativa.
Em 2019, o MAB apresentou uma proposta voltada à garantia dos direitos das comunidades, mas diante da ausência de respostas da empresa, o Movimento optou por ocupar sua sede em Salvador, ação que impulsionou avanços no diálogo e na pauta de reivindicações – que incluía a regularização fundiária, indenizações justas e o reassentamento das famílias. No mesmo ano, o MAB fez uma representação junto ao Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA), dando abertura a um processo de Inquérito Civil.
Durante o período de pandemia da Covid-19, as obras ficaram paralisadas, e, consequentemente, o processo de Inquérito. Ainda assim, ao longo dos anos, as negociações seguiram de forma instável, com poucos avanços efetivos.

Em 15 de dezembro de 2023 foi sancionada a Lei 14.755, que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), um instrumento jurídico essencial para mensuração dos danos, mas também de equiparação e de justiça social aos atingidos.
“Com a aprovação da lei, o Ministério Público então direciona seu Inquérito Civil – sem descuidar das outras questões que são tratadas no procedimento – buscando a implementação da contratação de Assessoria Técnica Independente. Com isso, visa garantir que a comunidade tenha essa ferramenta de equiparação”, finaliza Cedraz.
Em abril deste ano, o Movimento enviou uma carta ao governador Jerônimo Rodrigues (PT), cobrando medidas de reparação e denunciando o prolongado conflito que se arrasta há mais de oito anos. O MAB destaca que, embora a obra esteja perto de sua conclusão, os atingidos seguem paralisados pela incerteza, aguardando uma reparação que nunca chega.
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Além disso, a insegurança provocada pelo conflito em torno da barragem tem causado profundo impacto na saúde mental das famílias. Sem respostas claras sobre o futuro e temendo a perda de suas terras, muitas delas enfrentam quadros de ansiedade, angústia e depressão. A perspectiva de ver desaparecer o lugar onde criaram seus filhos, cultivaram a terra e construíram laços afetivos ao longo de gerações tem gerado um clima de constante tensão e sofrimento.
